13 de novembro de 2008

 

Amato Lusitano



Iniciamos hoje uma campanha para lembrar aos responsáveis culturais deste País que se aproxima a data da passagem dos 500 anos do nascimento de João Roiz Amato Lusitano, personalidade maior da História da Medicina da Europa. Perseguido na sua Pátria por ser judeu, em 2011 poderemos redimir-nos. Comemorar Amato Lusitano é sondarmos a faceta mais negra da nossa História.

Num País e numa região tão dada a esquecimentos e que guarda tudo para a última, faço um apelo a todos para se empenharem na construção desta efeméride a começar em 2010 e a terminar em 2011. Comecemos a organizar-nos para tornar estas comemorações num marco da nossa História com olhos postos no passado mas que sejamos capazes de apontar caminhos para o futuro. Vamos ao trabalho caro Amigo Al Cardoso? Para ver se colocamos Amato nos USA?

Sobre Amato Lusitano vide: http://www.arlindo-correia.com/090506.html

A propósito disto republico aqui um texto, do meu camarada Pedro Salvado, saído esta semana no periódico albicastrense “Gazeta do Interior”.


PATRIMÓNIO FLUTUANTES

Bibliografia Amatiana

No passado fim de semana, Castelo Branco recebeu as vigésimas jornadas de “História da Medicina na Beira interior”, manifestação cultural que, de uma maneira ininterrupta, tem associado a esta cidade diversas personalidades e instituições, nacionais e internacionais, do estudo da História da ciência. Com efeito o papel desempenhado e a afirmação da cidade, nestes domínios do saber é especificidade funcional que nos honra como comunidade

Dentro da sua programação, organizou-se, com a inexcedível colaboração da Biblioteca Municipal, uma exposição que reuniu algumas produções bibliográficas que têm a ímpar figura do médico quinhentista Amato Lusitano como elo unificador. Trata-se de objectos impressos originários e produzidos a partir de dois campos genéticos, temporalmente distintos e, hoje, indissociáveis. Por um lado, toda a individualidade e especificidade das obras de Amato, das suas reproduções impressas em sucessivas edições, profusamente utilizadas ao longo de séculos. Por outro, os textos elaborados por uma alargada plêiade de investigadores que expressaram e desenvolveram uma incisiva e particular historiografia amatiana. Os títulos revelam olhares múltiplos, aturadas análises, interrogações continuadas e redescobertas das poliédricas faces e trajectos científicos e vivenciais desta personalidade da Renascença Europeia. Do conjunto de nomes que mapeiam e corporizam esta autêntica amatofilia bibliográfica, realcemos o lugar ocupado pelo médico beirão José Lopes Dias. Com efeito, na História da Medicina Portuguesa, Lopes Dias assume-se como um extraordinário exemplo de um médico-intelectual que a partir da periferia construiu um original programa de investigação que o vai aproximar aos “grandes nomes” e centros de produção do saber. A memória de Amato Lusitano teve, em Lopes Dias, o seu principal obreiro e edificador em sucessivos acontecimentos, encontros, estudos, matérias e imatérias, centralidades e periferias. A Biblioteca Municipal de Castelo Branco possui no seu acervo alguns raros originais das obras amatianas. Os exemplares constituem um relevante património bibliográfico, cuja excepcionalidade, nomeadamente pela sua cronologia, tem que ser devidamente salvaguardada e divulgada. Afinal, Amato Lusitano é um dos eixos formadores e revitalizadores da nossa identidade colectiva. Adquiridos pela autarquia nos anos sessenta do século passado, a sua presença no catálogo deste importante repositório da “cultura do impresso” da região, deve-se à visão e empenho do pelouro da Cultura de então, Vasco Mendes de Matos, por proposta de Lopes Dias.

Amato Lusitano ocupa uma relevante centralidade na percepção imagética urbana albicastrense contemporânea. É uma presença cultural que o colectivo domesticou, mas que se quer reforçada, através de um futuro investimento nacional e internacional, na difusão e no estudo da sua espantosa e fantástica bio-bibliografia. Numa vida feita de contrastes, exílios e partidas, esperanças, devaneios e tristezas, chegadas e regressos adiados - o empenho e o respeito pelas diferenças culturais das sociedades e pelos ‘outros’, o cultivo do entendimento entre credos e religiões, a suprema defesa da Vida, da saúde e do bem estar foram coordenadas do vasto saber de Amato que, com a sua leitura, nos transmitem uma indubitável e inquietante actualidade. Propomos que a presença de João Rodrigues Amato Lusitano na nossa Biblioteca, seja individualizada através da criação da estante amatiana que expresse a verdadeira dimensão dos estudos realizados sobre a sua vida e obra.

Evocar Amato é reafirmarmos a nossa identidade colectiva, numa época caracterizada por uma diluição acelerada e da uniformização dos sentires das coisas e dos territórios. É criar interioridade cultural positiva. Nostalgicamente, e noutros horizontes e gentes e culturas, Amato Lusitano haveria de se recordar dos locais da infância da sua pequena pátria, principalmente uma das suas principais marcas identificadoras: as suas muralhas. Escreveu o sábio médico «IN MURIS PATRIAE MEAE CASTELLI ALBI», numa pioneira patrimonialização afectiva do monumento.

Vai surgir, na zona histórica albicastrense, um centro de descodificação dos vários momentos da construção histórica do edificado local. Aí, num edifício que se apelidará de fronteira, expressar-se-ão todas as relações que, ao longo de milénios, se estabeleceram entre os homens, as pedras e o sítio. Esperemos que toda a polissemia que a palavra “fronteira” expressa venha a estar contemplada no seu programa expositivo. Uma muralha também pode ser lida como uma fronteira entre vários campos, realidades e sonhos. Para Amato, o rompimento dos muros albicastrenses significou encontrar, por fim, um valor que lhe havia sido negado dentro da cidadela: a liberdade de pensar e de sentir diferentes. A seguir veio a longa estrada da diáspora, itinerário que se envolveria sempre naquilo que Miguel Torga haveria de constatar e de escrever muitos séculos mais tarde: «o global é o local sem paredes».

Pedro Miguel Salvado

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Comments:
Gosto do conceito
"interioridade cultural positiva"
 
um texto incisivo, acutilante, que abre novas perspectivas, novos horizontes aos ditos patrimónios de uma cidade.
 
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